Acquaventura: O custo invisível da falta de planejamento

Com um investimento estimado em R$140 milhões, o parque aquático Acquaventura, inaugurado no final de abril na Praia dos Carneiros (PE), prometia ser um marco no turismo nacional. Seus 55 mil m² de estrutura e a presença da segunda montanha-russa aquática do país não deixaram dúvidas quanto à ambição do projeto. No entanto, em menos de duas semanas de funcionamento, o que deveria ser uma experiência de lazer transformou-se em preocupação e dor para diversas famílias.

Ao menos oito visitantes sofreram ferimentos graves em acidentes nas atrações do parque — entre eles, fraturas, traumatismos e quedas com perda de consciência. A Polícia Civil de Pernambuco abriu investigação, e relatos se multiplicaram nas redes sociais e em entrevistas à imprensa. O parque, por sua vez, alega que todas as atrações foram testadas e certificadas, e que os visitantes devem seguir as orientações de segurança.

Esses acontecimentos levantam uma questão central que abordamos há mais de 20 anos: segurança é parte do planejamento túristico. E quando esse pilar é ignorado por estar “invisível” aos olhos de quem prioriza a mídia, os resultados podem ser trágicos.

Quando a segurança não é um protocolo básico, os efeitos aparecem não só nos acidentes em si, mas na forma como as vítimas são acolhidas — ou não — após o ocorrido. E no caso da sequência de acidentes registradas no parque Acquaventura, o que se viu foi uma combinação desastrosa que compreende falhas operacionais nos brinquedos e uma estrutura precária de atendimento às emergências.

Um dos relatos mais marcantes é o do advogado Fernando Araújo, de 41 anos. Ele e a esposa, Luanna, sofreram um acidente no brinquedo “Canoa do Muxima” — ele com fissuras em três costelas, e ela ,com uma clavícula quebrada. Foram levados ao hospital após a queda. “Pegaram nosso contato só para perguntar se queríamos remarcar ou ter reembolso”, contou.

O mais grave, segundo Fernando, foi perceber que não havia qualquer estrutura para lidar com situações como a deles:

“Não tinha sequer uma enfermeira”, afirmou. “Me senti dentro de um experimento, com pessoal sem expertise. Parece que abriram o parque fazendo economias e sem estar realmente pronto. O mais preocupante é que o médico disse que não era o primeiro caso. Desde a inauguração, o número de atendimentos de acidentes havia aumentado.”

Fernando Araújo

Esse depoimento expõe algo muito maior do que uma falha pontual. Expõe um sistema que parece não ter considerado que parques aquáticos lidam com riscos. Sem profissionais capacitados, protocolos emergencias eficientes e sinalização adequada, o turista é exposto não apenas ao perigo, mas à negligência.

“Ressaltamos ser indispensável que os visitantes observem as orientações de segurança, que já garantiram experiências maravilhosas a mais de 6000 visitantes desde a abertura do parque… “

Nota do parque Acquaventura

Embora o parque destaque o número de visitantes que não sofreram acidentes, é importante lembrar que segurança não se mede apenas pela quantidade de experiências positivas, mas pela capacidade de prevenir qualquer ocorrência. A responsabilidade não pode ser transferida unicamente para o visitante.  Acidentes como os registrados indicam falhas estruturais que não podem ser minimizadas com estatísticas.

Segurança não deve ser vista como um “obstáculo à diversão”, e sim como a base que torna qualquer diversão possível.

Empreendimentos turísticos exigem, por natureza, um cuidado redobrado com segurança. Afinal, o turista entrega mais do que tempo e dinheiro ao destino: entrega confiança. Quando um parque é inaugurado antes de estar verdadeiramente pronto — sem testes realistas, sem sinalização eficaz, sem equipes treinadas e estrutura de emergência —, o que está em risco não é apenas a reputação da empresa, mas vidas humanas.

Na Associação Férias Vivas, chamamos a segurança de “pilar invisível” justamente porque ela sustenta toda a experiência turística, mesmo quando ninguém a percebe. Ela está no cuidado silencioso de uma viagem. Está nas decisões tomadas nos bastidores, muito antes do primeiro visitante chegar. Está na qualificação da equipe que é capacitada para agir no imprevisto, na gestão de riscos que evita falhas técnicas, e no olhar atento ao ambiente e aos riscos que ele apresenta.

É justamente por ser invisível que muitos empresários do trade a deixam em segundo plano. Mas quando a segurança falha, ela deixa de ser invisível para se tornar óbvia. A ausência desse pilar não se revela com discursos, mas com consequências.

O que vimos no Acquaventura reforça a importância de olhar com mais atenção para os bastidores do turismo. Segurança não deve ser lembrada apenas após um acidente, mas considerada desde o início, como parte essencial do planejamento. Que este episódio sirva de alerta para que empresas e gestores invistam em planejamento turístico responsável e na implementação de sistemas eficazes de gestão da segurança.

Sobre a consultoria

Silvia Basile

Constituímos, em 2002, a Associação Férias Vivas que já trabalhou na elaboração de mais de 40 Normas Técnicas ABNT NBR de Turismo de Aventura. Junto com embaixadores e parceiros, criamos assim padrões de qualidade e segurança nas atividades de turismo no Brasil. Em 20 anos de atuação na área de conscientização e prevenção de acidentes no turismo, esta vivência proporcionou aos consultores da Associação Férias Vivas a capacidade analítica e a experiência prática para a implantação de projetos de gerenciamento de risco em destinos de turismo. Nossa articulação com o setor público se faz eficaz ao comprovar que iniciativas de sensibilização e gestão da segurança são essenciais para o desenvolvimento responsável do turismo.

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